Para cobrar uma dívida de condomínio, é possível penhorar o imóvel que a originou, mesmo que ele esteja financiado por contrato com cláusula de alienação fiduciária.
Essa conclusão é da 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, que julgou três recursos especiais nesta quarta-feira (12/3) sobre o tema. O resultado se deu por 5 votos a 4.
Na prática, o colegiado concluiu que a instituição financeira que concede o financiamento para a compra do imóvel pode ser arrastada para responder pela dívida de condomínio.
Isso nos casos de contrato com alienação fiduciária, em que o banco dá o crédito e se torna proprietário do bem. O comprador fica na posse e pode usufruir do imóvel, mas só recebe a propriedade depois de quitar as parcelas.
Essa posição se justifica porque a obrigação de pagar condomínio tem caráter propter rem (da própria coisa). Ela é do comprador, que usufrui do bem, mas também deve ser do proprietário, mesmo na condição de credor fiduciário.
Como mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico, o tema tem impacto imenso no mercado de crédito imobiliário brasileiro. Por causa disso, o STJ promoveu audiência pública antes dos julgamentos.
A jurisprudência da corte sobre essa matéria não era uniforme. A 3ª Turma entendia que não é possível penhorar o imóvel, mas apenas seu direito real de aquisição — ou seja, o direito de assumir a propriedade do bem. A posição vencedora na 2ª Seção é a que vem da 4ª Turma.
O colegiado ainda vai fixar tese vinculante sobre a controvérsia. Há dois recursos especiais afetados ao rito dos repetitivos, sob relatoria do ministro João Otávio de Noronha. A tendência é apenas confirmar a posição agora vencedora.
Alienação fiduciária
O voto vencedor no julgamento foi proferido pelo ministro Raul Araújo e acompanhado pelos ministros Moura Ribeiro, Isabel Gallotti, Daniela Teixeira e João Otávio de Noronha.
Para eles, o imóvel com alienação fiduciária pode ser penhorado para abater dívidas de condomínio. Se quiser evitar a penhora, cabe ao banco credor fiduciário quitar a dívida e depois cobrar do devedor fiduciante.
Isso porque as normas que regulam a alienação fiduciária não se sobrepõem aos direitos de terceiros que não fazem parte do contrato de financiamento. Assim, se o devedor fiduciante não quita a dívida, ela não pode recair sobre o condomínio e os demais condôminos.
O fato de o banco ser credor fiduciário não subtrai sua posição de proprietário do bem, a quem cabe responder pela dívida de condomínio, portanto.
“Que privilégio seria esse erigido em detrimento de todos os demais condôminos proprietários não signatários de contrato de alienação fiduciária de coisa imóvel? O que outros condôminos têm que ver com contrato firmado entre banco e devedor? Nada”, disse o ministro.
Para ele, uma saída possível seria o banco estabelecer em contrato a obrigação de o devedor fiduciante arcar com o valor do condomínio. Assim, o atraso desse tipo de verba poderia levar até à rescisão do contrato por descumprimento de obrigação.
“O que não tem cabimento é simplesmente pretender-se colocar, na prática, sobre ombros dos demais condôminos o ônus de arcarem com dívida que é de obrigação propter rem sobre o imediato interesse de qualquer proprietário de unidade em condomínio”, apontou Araújo.
Só os direitos de aquisição
Ficou vencido o ministro Antonio Carlos Ferreira, acompanhado dos ministros Marco Buzzi, Nancy Andrighi e Humberto Martins.
Para eles, a penhora do imóvel não é possível, uma vez que o bem não integra o patrimônio do real devedor — aquele que comprou o imóvel, ainda que mediante contrato com alienação fiduciária.
Assim, caberia, no máximo, a penhora do direito real de aquisição do bem — ou seja, o direito de assumir a propriedade do imóvel, uma vez que a dívida seja quitada com o banco credor fiduciário.
Na análise do ministro Antonio Carlos, permitir que uma unidade seja penhorada pelo condomínio por causa das dívidas condominiais subverteria a arquitetura da alienação fiduciária, que visa retirar a propriedade do bem das mãos do devedor.
“O credor fiduciário passaria a responder com o seu patrimônio por uma dívida do devedor fiduciante, implicando em verdadeira expropriação de sua propriedade sem que houvesse causa legítima que a justificasse.”
Já o direito real de aquisição pode ser penhorado porque é economicamente apreciável e compõe o patrimônio do devedor fiduciante, segundo o magistrado. Assim, pode ser usado para quitar obrigações atrasadas.
REsp 1.929.926
REsp 2.082.647
REsp 2.100.103