quebra-sigilo

Por Pedro Canário

Ficou para a próxima quarta-feira (24/2) a conclusão do julgamento que permitirá aos órgãos da administração tributária quebrar o sigilo fiscal de contribuintes sem autorização judicial. Nesta quinta-feira (18/2), foram proferidos setes votos, seis a favor da quebra sem autorização e apenas o ministro Marco Aurélio contra. No dia 24, votarão os ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski.

A discussão está posta em cinco ações, um recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida e quatro ações diretas de inconstitucionalidade. O ministro Luiz Edson Fachin é o relator do RE e o ministro Dias Toffoli, das quatro ADIs. Ambos votaram a favor da quebra de sigilo pelo fisco sem autorização do Judiciário.

Os processos discutem o artigo 6º da Lei Complementar, que trata do acesso, pelo fisco, a informações bancárias sem a necessidade de pedir para um juiz. Fachin afirmou que esse dispositivo é constitucional, já que a lei “estabeleceu requisitos objetivos” para o repasse dos dados. Segundo o ministro, há um “traslado do dever de sigilo”.

É a mesma tese da Fazenda Nacional, que defende não haver quebra de sigilo bancário. No entendimento do Fisco Federal, o que aconteceu é uma transferência de informações entre duas entidades que têm obrigação de sigilo, os bancos e a Receita Federal.

Para Fachin, essa transferência de informações é a “concretização da equidade tributária”, porque garante a justa tributação de acordo com as diferentes capacidades contributivas. Ele foi acompanhado pelos ministros Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, Teori Zavascki, Rosa Weber e Cármen Lúcia.

Norma não traz violações a qualquer direito fundamental, diz Toffoli.

Toffoli apontou dois elementos para basear seu voto. O primeiro é a “inexistência, nos dispositivos questionados, de violação de direito fundamental, de violação à intimidade, pois não se está fazendo quebra de sigilo, mas afirmando-se este direito”. Isso porque a Receita tem a obrigação do sigilo fiscal, e os dados bancários não são, em tese, divulgados.

O outro argumento é a “confluência entre o dever do contribuinte, de pagar tributos, e o dever do fisco, de bem tributar e fiscalizar”. Toffoli também citou “os mais recentes compromissos internacionais” assumidos pelo Brasil com o suposto intuito de combater a lavagem de dinheiro, o que também foi defendido pelo governo durante as sustentações orais.

Salafrários
Dos que votaram nesta quinta, o único que divergiu dos relatores foi o ministro Marco Aurélio. “No Brasil pressupõe-se que todos sejam salafrários, até que se prove o contrário. A quebra de sigilo não pode ser manipulada de forma arbitraria pelo poder público”, reclamou.

O vice-decano mencionou seu voto desta quarta-feira (17/2), quando disse que o Supremo não vivia uma tarde feliz, ao julgar que não cabe Habeas Corpus contra ato de ministro do STF e que as prisões já podem ser executadas antes do trânsito em julgado. “A unidade de tempo foi mal sinalizada. Em termos de pronunciamentos do Supremo, a semana é uma semana de tristeza maior no tocante às liberdades fundamentais.”

Marco Aurélio criticou colegas pela virada na jurisprudência.
Nelson Jr./SCO/STF

Marco Aurélio criticou os colegas pela virada na jurisprudência, já que, em 2010, seguindo voto dele, o tribunal entendeu ser inconstitucional a quebra de sigilo pelo fisco sem autorização judicial. O ministro reputou o novo resultado à nova composição do Plenário, “talvez colocando-se em segundo plano o princípio da impessoalidade”.

Isso porque, como ele observou, “ante o mesmo texto constitucional”, mudou-se diametralmente de entendimento. “Embora não pareça, a nossa Constituição Federal é um documento rígido a gerar essa adjetivação, a supremacia. É ela que está no ápice da pirâmide das normas jurídicas.”

Obséquio
Em seu voto, Marco Aurélio fez referência ao inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal, segundo o qual “é inviolável o sigilo de dados”. A única exceção para a violação desse dispositivo é se houver ordem judicial, mas “uma exceção que não é tão exceção assim”, segundo o ministro.

“A regra é a privacidade”, continuou o vice-decano. Quem detém a prerrogativa de quebrar o sigilo bancário é o Judiciário, explicou o ministro, e que mesmo assim é limitada pela Constituição. “A se reconhecer essa prerrogativa ilimitada da Receita, ter-se-ia uma atuação política para garantir a arrecadação.”

“Vulnera a privacidade do cidadão, irmã gêmea da dignidade, concluir que é possível ter-se a quebra do sigilo de dado bancários de forma linear mediante comunicações automáticas, como ocorre segundo instrução da Receita.”

“Delicadíssima questão”
O ministro Luís Roberto Barroso, primeiro a votar depois dos relatores, reconheceu se tratar de “delicadíssima questão”. Também reconheceu que tem uma “posição doutrinária antiga de que a regra geral deve ser a reserva de jurisdição sempre que se cuida de quebra de sigilo”.

No entanto, continuou, Barroso, “é uma regra geral que parecer merecer atenuação neste caso”. “Se a criação do Estado é um projeto coletivo, deve-se reconhecer que a solidariedade também se projeta no campo fiscal. Assim, o pagamento de tributos é dever fundamental lastreado na função fiscal assumida pelo Estado contemporâneo e no elenco de direitos fundamentais que pressupõe o seu financiamento”, votou o ministro.

O ministro Teori Zavascki afirmou que os dados bancários não estão “no âmbito das informações pessoas pelo artigo 5º”. “Na verdade, o que a lei fala não é em quebra de sigilo. A lei expressamente autoriza no artigo 6º as autoridades e os agentes fiscais tributários a examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras. Não é para quebrar sigilo, é para examinar. Aqui a lei define um sistema para que não se quebre o sigilo.”

Teori também ressaltou que “todos os contribuintes já têm a obrigação de fornecer isso ao fisco, ainda que essa obrigação seja de um retrato de um dia específico, o dia 31 de dezembro”.

Fonte: Conjur

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